Na semana passada, Rio de Janeiro foi palco da reunião da cúpula do Brics, grupo que reúne 11 nações em desenvolvimento buscando cooperação econômica, política e social. Logo após o primeiro dia do encontro, surgiram sinais de tensão, com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçando impor uma tarifa de 10% sobre “qualquer país que apoiasse políticas antiamericanas do Brics”. Segundo a Casa Branca, o republicano acompanhava de perto a reunião dos líderes.
A ameaça foi apenas um sinal do que viria. Na quarta-feira (9/7), um dia após o evento, Trump formalizou em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a imposição de uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras, agravando a crise entre os países.
O que é o Brics?
O Bric surgiu em 2001, criado por Jim O’Neill, economista do Goldman Sachs, ao identificar Brasil, Rússia, Índia e China como economias emergentes com grande potencial até 2050. Inicialmente uma recomendação para investidores, o grupo foi formalizado em 2006 na Assembleia-Geral da ONU com uma reunião ministerial informal.
O grupo ganhou força após a crise financeira de 2008, com a primeira cúpula de chefes de Estado em 2009 na Rússia. Em 2010, a África do Sul entrou oficialmente, criando o “S” no acrônimo: Brics.
Apesar das diferenças, os membros compartilham um vasto território, uma grande população e rápida industrialização. Hoje, o Brics é composto por África do Sul, Arábia Saudita, Brasil, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, Índia, Irã e Rússia.
Especialistas indicam que o protagonismo do Brasil no bloco, aliado à defesa de Lula por sistemas de pagamentos alternativos ao dólar, pode ter levado à reação do presidente americano.
No encerramento da cúpula, Lula defendeu o uso de moedas locais para comércio internacional, reduzindo dependência do dólar. “Creio que o mundo precisa que nossas relações comerciais não passem pelo dólar. Relações com Estados Unidos usam dólar, mas entre Argentina, China, Índia e Europa, podem usar outras moedas”, disse Lula.
“Ninguém decidiu que o dólar é padrão. Nossos bancos centrais precisam discutir isso com os bancos centrais de outros países”, completou o presidente.
Para João Alfredo Lopes Nyegray, coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da PUCPR, a fala pode ter dado força para a decisão de Trump. “Ao propor alternativas ao dólar entre países do Sul Global — com apoio da China e Rússia — Lula desafia a arquitetura de poder dos EUA, que Trump tenta reforçar. A declaração do Brics reforça o pedido por reformas em instituições como FMI e por uma ordem financeira multipolar”, avalia.
João Nyegray ressalta que a ação americana segue uma lógica de “diplomacia punitiva”, atingindo países que questionam a hegemonia dos EUA. “Punir o Brasil serve de alerta a outros países do Brics e a potenciais novos membros: haverá custo geoeconômico para desafiar o status quo”, aponta.
Luciano Muñoz, professor de Relações Internacionais do CEUB, afirma que as tarifas de Trump refletem a expansão recente do Brics. “Essa expansão tem sido vista como influência chinesa e russa, especialmente no contexto da guerra na Ucrânia e do isolamento da Rússia. O Brics representa um meio para o isolamento russo e, para a China, é uma plataforma para ampliar sua projeção global”, explica Muñoz.