ANDRÉ FLEURY MORAES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O número de presos em celas físicas no Brasil continua alto e superlotado, enquanto a quantidade de pessoas que utilizam tornozeleiras eletrônicas cresceu mais de 20 vezes nos últimos nove anos, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) que abrangem de 2016 a 2025.
Em 2016, havia 6.027 presos com monitoramento eletrônico, e agora, em 2025, esse número chegou a 121.889.
Por outro lado, o número de detentos em presídios físicos praticamente não mudou: eram 696 mil em 2016 e são 702 mil atualmente. Essa estatística abrange presídios estaduais e federais.
O sistema carcerário brasileiro permanece superlotado. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os 2.222 presídios do país oferecem 501 mil vagas, muito abaixo da quantidade de presos, que é cerca de 702 mil.
Pernambuco tem o maior déficit, oferecendo 14.319 vagas para 27.868 presos. Roraima e Mato Grosso do Sul também têm grandes déficits. O único estado sem déficit é o Maranhão, com 12.312 presos e 12.513 vagas.
Entre os presos em celas, a maioria já recebeu sentença e cumpre pena em regime fechado, totalizando 385.102 pessoas. Aproximadamente 200 mil são presos provisórios sem condenação e outros amparam regime semiaberto, trabalhando ou estudando de dia e retornando à noite para o sistema prisional.
Entre os que usam tornozeleira, a maioria também já foi condenada: 71.900 cumprem pena em regime semiaberto, 31 mil estão provisórios aguardando julgamento, 13.755 estão em regime aberto, e 2.665 em regime fechado, em casos excepcionais por saúde ou falta de vagas.
Especialistas afirmam que não há previsão de redução nesses números e que é provável que aumentem.
A primeira lei que regulamentou o uso da tornozeleira eletrônica foi criada em 2010, permitindo que juízes determinassem sua utilização em saídas temporárias ou prisões domiciliares.
Em 2011, uma reforma no Código de Processo Penal permitiu o monitoramento eletrônico como alternativa à prisão preventiva sem prazo determinado, mudando a lógica de funcionamento dessas prisões, segundo o advogado Fernando Hideo, doutor em direito penal pela PUC-SP.
Segundo o criminalista Adib Abdouni, a tornozeleira acabou virando uma resposta automática para casos que poderiam ser tratados com medidas menos rigorosas, transformando a liberdade em exceção.
Apesar disso, especialistas reconhecem benefícios do monitoramento, como menor rigor no controle, preservação da convivência familiar, estímulo à responsabilidade do condenado e uma aplicação mais humana da pena, conforme o advogado Anderson Almeida.
O delegado da Polícia Civil de São Paulo, André Santos Pereira, presidente da ADPESP, destaca que o monitoramento é fundamental em casos de violência contra a mulher e que a nova regulamentação, sancionada pelo presidente Lula, tornou seu uso mais frequente em medidas protetivas baseadas na Lei Maria da Penha.
Contudo, o delegado ressalta que o Estado falha na fiscalização contínua do monitoramento, que não deve depender só da tecnologia, mas também de uma fiscalização constante do ambiente do monitorado.
O advogado Leandro Sarcedo, doutor em direito penal pela USP, alerta que uma recente lei sancionada no final de novembro pode aumentar ainda mais a população carcerária, ao ampliar os casos em que a prisão preventiva é recomendada, incluindo o temor de repetição de crime.
Para ele, o Brasil ainda não sabe exatamente para onde está indo, adotando uma política de segurança focada no encarceramento e negligenciando outras estratégias de Estado, como educação, saúde e bem-estar.

