Cláudia Collucci
FolhaPress
O Brasil ainda é o país com o maior número de mortes causadas pela doença de Chagas no mundo, embora tanto as mortes quanto os casos tenham diminuído bastante nas últimas três décadas.
De acordo com o estudo GBD 2023 (Global Burden of Disease), publicado na revista The Lancet Infectious Diseases, o Brasil foi responsável por 68% das mortes globais por Chagas em 2023. Essa doença é causada por um protozoário transmitido principalmente pelo inseto conhecido como barbeiro.
Mesmo com uma redução de 16% no número total de pessoas infectadas desde 1990, ainda existem cerca de 10,5 milhões de pessoas no mundo que vivem com a doença. No Brasil, estima-se que atualmente 4,1 milhões de pessoas tenham a doença, uma diminuição em relação aos 4,79 milhões registrados em 2019.
Entre 1990 e 2023, o número absoluto de casos no país caiu 16%. Quando ajustado pela idade, essa redução chega a 61,6%, mais significativa que a média mundial de 55%. As mortes também caíram consideravelmente, com uma queda de 38,9% no número bruto e 78,3% na taxa ajustada por idade, uma das maiores do mundo. Apesar disso, o Brasil registrou 5.700 mortes em 2023, o número mais alto do planeta.
Bruno Nascimento, cardiologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que coautorou o estudo junto com Antonio Ribeiro, explicou que a grande população brasileira é um fator que contribui para o elevado número de óbitos.
Embora a prevalência da doença seja de cerca de 5% nas populações mais vulneráveis — taxa menor que em áreas como o norte da Argentina, onde chega a 25% — o tamanho do Brasil faz com que o total de mortes seja alto.
Parte da persistência da doença no país se deve ao histórico de pessoas infectadas há muitos anos. A doença, sendo crônica, pode levar décadas para apresentar sintomas graves.
Bruno Nascimento ressaltou que melhorias nas condições de moradia e acesso à saúde levam tempo para refletir na redução da mortalidade.
Investimentos em moradias melhores, controle do barbeiro e teste obrigatório em bancos de sangue foram essenciais para diminuir os casos. Além disso, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece acesso gratuito a medicamentos e tratamentos especializados, como marca-passos, o que é raro em outros países da América Latina.
Com o prolongamento da vida dos pacientes, a doença hoje é mais comum em pessoas entre 50 e 65 anos. Isso exige adaptações no sistema de saúde, pois as formas graves da doença necessitam de cuidados complexos.
O estudo também apontou desafios: identificar pessoas infectadas, ampliar testes simples e o acesso a diagnósticos e tratamentos especializados continuam sendo problemáticos, especialmente em regiões mais afastadas.
Outro aspecto importante é o aumento dos casos de Chagas em países não endêmicos, como Estados Unidos, Espanha, Itália e Suíça, devido à migração latino-americana. Nesses locais, a falta de triagem sistemática dificulta o diagnóstico e o tratamento precoce, podendo levar a complicações graves.
Recentemente, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos classificaram a doença como endêmica no país, ressaltando que o problema não é mais apenas importado e que pelo menos oito estados americanos já registram casos.
Bruno Nascimento destaca que a doença de Chagas é um reflexo da desigualdade social, afetando principalmente populações rurais e pobres, que continuam sendo as mais afetadas.
O estudo foi realizado por uma rede internacional de pesquisadores, com apoio de diversas instituições, incluindo a Fundação Gates, a Federação Mundial do Coração, a Novartis Pharma e a UFMG.
Esta pesquisa é parte do projeto Saúde Pública, que tem o apoio da Umane, uma associação que trabalha para promover iniciativas de saúde.
