RENATA GALF
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Durante seu depoimento ao STF (Supremo Tribunal Federal) no processo que investiga suposta trama golpista, Jair Bolsonaro afirmou ter discutido, com comandantes militares, alternativas como estado de sítio e de defesa após a derrota nas eleições. Essas conversas, segundo ele, ocorreram porque o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) teria aplicado uma multa alta ao seu partido após pedido para anular votos de algumas urnas.
Bolsonaro disse que essas alternativas foram consideradas porque o TSE teria fechado as portas para ele após a multa.
Ao tentar se defender das acusações, entre as quais tentativa de golpe e ataque à democracia, o ex-presidente também afirmou que o STF teria sido parcial na eleição de 2022.
Entretanto, essas argumentações não constam na defesa oficial até o momento, que ainda deve apresentar alegações finais. Os advogados alegam nulidades processuais e afirmam que não há provas que liguem Bolsonaro aos atos do dia 8 de janeiro. Também dizem que ele não assinou nenhum decreto para estado de sítio, e que as ações descritas na denúncia não configuram crime.
Na defesa, não se menciona a multa aplicada ao partido nem o papel do TSE, e as falas de Bolsonaro sobre as urnas são tratadas como opinião sem maiores comentários. A defesa não respondeu sobre as discrepâncias nos discursos.
Bolsonaro continua questionando a atuação do TSE, explorando dúvidas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas.
O advogado e doutor em direito processual penal pela USP, Renato Stanziola Vieira, afirma que o argumento de Bolsonaro de que a multa justificaria procurar as Forças Armadas não se sustenta. Segundo ele, Bolsonaro escolheu abandonar as soluções jurídicas e partiu para o rompimento das instituições, o que não é uma boa estratégia para a defesa técnica.
No fim de novembro de 2022, após semanas de manifestações pedindo intervenção militar, o PL entrou com ação para anular votos alegando mau funcionamento das urnas. Inicialmente, o pedido mirava apenas o segundo turno, mas o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE e relator da ação, exigiu que incluíssem o primeiro turno, o que foi chamado de “medida precipitada” pelo partido.
Moraes aplicou multa ao PL por má-fé, acusando tentativas de tumultuar a democracia. O recurso para cassar a multa de quase R$ 23 milhões foi negado pelo TSE.
Bolsonaro também afirma que sua campanha foi prejudicada pela eleição de 2022, citando proibições que teria sofrido, como limitar o uso de imagens do 7 de setembro, de lives no Palácio do Alvorada e de discursos no exterior. Essas limitações foram decididas provisoriamente pelo tribunal após ações dos adversários alegando abuso de poder.
A advogada especialista em direito eleitoral, Carla Nicolini, explica que o TSE proibiu o uso das imagens para campanha, não por proibição geral.
Bolsonaro chegou a ser declarado inelegível em um processo relacionado ao 7 de setembro, somando-se a outras condenações.
Ele também critica decisões que restringiram páginas de direita e sua propaganda eleitoral, mas não menciona que seu campo político também sofreu restrições, embora em menor número.
Algumas decisões envolveram combate à desinformação, como a remoção de um vídeo manipulando entrevista do presidente Lula, em processos com resultados apertados e com atuação que às vezes privilegiou intervenção maior no discurso.
O advogado Luiz Gustavo de Andrade, da Abradep, afirma que as multas e sanções dependem das ações movidas e dos ilícitos cometidos, e que não é verdade que somente Bolsonaro tenha sido condenado.
Carla Nicolini destaca que o veto à exibição do documentário sobre a facada em Bolsonaro, produzido pela Brasil Paralelo, foi atípico até as eleições.
O TSE buscou enfrentar a desinformação com várias medidas, algumas controversas, como ampliação dos poderes para agir contra notícias falsas entre os dois turnos eleitorais.
Além disso, mensagens trocadas entre assessores do ministro Moraes no TSE e STF, reveladas pela Folha, mostraram uma coordenação para preparar relatórios usados em decisões judiciais.
Após o segundo turno, a pedido do gabinete de Moraes, perfis e conteúdos que organizavam movimentos golpistas foram suspensos ou removidos.
Bolsonaro, réu pelos atos durante seu mandato e pelos discursos que estimularam contestação das urnas, segue questionando o sistema eleitoral. Em depoimento ao STF, destacou que o sistema poderia ser melhorado para garantir total confiança na democracia.
