ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Alguns dos mais fervorosos apoiadores de Bolsonaro não ficaram ofendido após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) referir-se a certos seguidores como “malucos”. Esse grupo estava acampado em frente a quartéis protestando contra a vitória de Lula (PT) em 2022 e defendendo um novo golpe militar no Brasil. Pelo contrário, muitos concordam com a opinião do homem que ainda chamam de mito.
Essa foi a reação predominante em mensagens trocadas entre os apoiadores.
A reportagem falou com algumas dessas pessoas, incluindo participantes dos ataques em Brasília no dia 8 de Janeiro, que afirmam que o ex-presidente tem razão ao distinguir os que atrapalham a causa daqueles que são “bolsonaristas do bem”.
Em depoimento ao STF (Supremo Tribunal Federal), diante do ministro Alexandre de Moraes, Bolsonaro chamou de “malucos” os eleitores que defendiam a ideia de AI-5 e intervenção militar.
Carla Ferreira, 52 anos, que trabalha na área de beleza e usa o nome político Charlo Ferreson, concorda com o ex-presidente.
“Nós, bolsonaristas verdadeiros, que surgimos dos movimentos anti-PT e pró-impeachment de Dilma Rousseff, não temos ligação nenhuma com intervenção militar”, diz. “Nosso objetivo sempre foi defender a democracia e vencer nas urnas.”
Assim como seu líder político, ela acredita que “há possibilidade de fraude nas urnas”, enfatizando que fala com base na experiência do povo que sofre golpes financeiros.
Charlo tem uma teoria: que grupos intervencionistas formam uma minoria dentro do bolsonarismo e tentam sabotar os protestos pacíficos infiltrando-se neles. “Por causa deles, fomos rotulados como direita radical.”
Ela afirma que essa minoria não apoia o “mito” e está alinhada mais com o general Hamilton Mourão, atual senador pelo Republicanos e ex-vice de Bolsonaro.
Bolsonaro fez várias declarações simpáticas à ditadura, antes, durante e depois da Presidência. Em 2019, Eduardo Bolsonaro, deputado (PL-SP) e filho do presidente, disse que se a esquerda radicalizasse, a resposta poderia ser um novo AI-5.
Charlo não esteve em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023. Já Felipe e Amauri (nomes fictícios) estavam presentes, porém pedem anonimato por medo de prisão — diferentemente das cerca de 1.500 pessoas presas na ocasião, eles não foram detectados pela Justiça.
Felipe conta que saiu de São Paulo com amigos desconfiando da apuração dos votos que deram Lula como vencedor. Chegaram na madrugada de 7 de janeiro e ficaram acampados, mas sem apoiar intervenção militar. O objetivo era protestar pacificamente e em oração, por isso ele rejeita o rótulo de “maluco”. Segundo ele, Bolsonaro se referia aos causadores de confusão.
Amauri, por sua vez, ficou chateado com a declaração do ex-presidente, mas continua o vendo como um líder nato. Para ele, a presença militar seria essencial para “colocar o Brasil no caminho certo”.
Ele supõe que Bolsonaro falou o que falou para “acalmar” Alexandre de Moraes, uma estratégia considerada inteligente para ceder agora e depois retomar a luta contra quem chama de “verdadeiros golpistas”, Moraes e Lula.
O engenheiro civil Giovani Falcone, que não foi a Brasília naquela época, considera os pedidos por ação militar “casos isolados”.
Havia muita insatisfação com a chegada de Lula, mas, na opinião dele, as Forças Armadas não estavam preparadas para tal confronto, nem havia desordem suficiente para justificar intervenção — algo que para ele só fez sentido em 1964, para conter o comunismo.
Dessa forma, ele acredita que Bolsonaro não falou nada de errado no STF.
Bolsonaro compartilhou com a reportagem um vídeo que chegou num grupo bolsonarista no WhatsApp. A montagem feita com inteligência artificial mostrava Bolsonaro com filtro de palhaço, dizendo: “Estou aqui mais uma vez para manipular vocês e convocar mais uma manifestação da ‘gadolândia’.”
Giovani Falcone definiu esse uso da IA como lamentável, mas apenas uma brincadeira. “O povo está tirando sarro.”
Materiais semelhantes circularam nas redes bolsonaristas, embora com pouca repercussão, segundo Felipe Bailez, da Palver, que monitora dados na internet.
Um exemplo de reação ao chamado de maluco foi um vídeo de uma mulher vestida com as cores da bandeira nacional, afirmando: “Somos malucos sim, Bolsonaro, porque um dia votamos em você”. Ela acusa o ex-presidente de incitar seu eleitorado a protestar na frente dos quartéis e diz que passaria a apoiar Lula. Outra postagem do grupo Fechado com Bolsonaro mostra, sobre a imagem dele com risinho: “Arreguei, sim, mané! Foi me defender porque quis. Você já é grandinho.”
Não foi possível identificar os autores dessas publicações, mas Bailez supõe que podem ter sido criadas em grupos de esquerda antes de se espalharem em espaços bolsonaristas.
Uma voz pública que se desentendeu com Bolsonaro foi seu ex-ministro da Educação, hoje desafeto, Abraham Weintraub.
Ele, que em uma reunião ministerial de 2020 prometeu “colocar esses vagabundos na cadeia, começando no STF”, ficou irritado com o depoimento recente do ex-presidente. “Eu fui muito otário”, declarou.
O que o incomodou não foi o rótulo de “maluco”, mas a postura dele, que considerou repugnante. “Já aceitei que Bolsonaro mentiu e me enganou, que sempre foi do centrão e fingiu ser de direita. Mas ele me surpreendeu ao mostrar uma postura fraca e covarde.”
No entanto, avaliações positivas a Bolsonaro continuam predominando entre seus apoiadores, segundo pesquisa da Palver. Por exemplo, a provocação para que Alexandre de Moraes seja vice na chapa do ex-presidente em 2026 — apesar de Bolsonaro estar inelegível por decisão do STF.
A “ironia” demonstrada durante o interrogatório, segundo a Palver, “reforça a narrativa de que não houve golpe e que as acusações contra ele são falsas, apesar da pressão política”. Essa é a crença dominante entre os bolsonaristas.