Os cidadãos da Bolívia irão votar neste domingo (17/8) para eleger presidente, vice-presidente, senadores e deputados para um mandato de cinco anos. Após quase duas décadas dominadas pelo partido de Evo Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS), o país está prestes a entrar em um novo período político e econômico mais liberal.
Segundo o economista e analista político boliviano Carlos Toranzo, “Nessas eleições, a nação decidirá se segue no caminho da autocracia ou se retoma a via democrática. A maioria parece preferir a democracia, após anos de um governo que centralizou todos os poderes do Estado, inclusive o eleitoral, enfraquecendo o Estado de Direito, a Constituição, a liberdade de expressão e de imprensa”.
Raúl Peñaranda, analista político, acrescenta: “Estamos diante de uma possível transição do autoritarismo estatal para o liberalismo democrático, e espera-se que a direita ou centro-direita vencedora represente um modelo liberal democrático, evitando um ciclo autoritário”.
Será a primeira vez que o país poderá realizar um segundo turno, marcado para 19 de outubro. A disputa principal ocorre entre a direita tradicional e a centro-direita democrática, sem inclusão da extrema-direita. Independentemente do vencedor, espera-se que políticas econômicas sejam adotadas para revitalizar a economia, afetada por inflação alta e escassez de recursos básicos. Essa necessidade econômica tem levado a população a escolher entre duas opções liberais, com base em pragmatismo em vez de ideologia.
Toranzo resume: “Do ponto de vista econômico e político, haverá mudanças significativas; para os cidadãos, há esperança”.
A esquerda deverá sair enfraquecida da disputa, com o MAS podendo perder registro por não atingir nem 3% das intenções de voto, segundo algumas pesquisas.
Disputa Eleitoral
A competição está concentrada entre Jorge Quiroga (conhecido como “Tuto”), ex-presidente de 65 anos, representando a direita pela Aliança Libre, e o empresário Samuel Doria Medina, 66 anos, da centro-direita pela Aliança Unidade Nacional. As pesquisas indicam empate técnico, com ligeira vantagem para Doria Medina, destacando-se uma recente pesquisa brasileira que aponta 22,3% para Quiroga e 18% para Doria Medina. Votos brancos e nulos somam 14,6% e indecisos 8,4%.
Análises apontam dificuldade em mensurar o voto rural indígena, que pode favorecer Andrónico Rodríguez, 36 anos, representante da esquerda pela Aliança Popular e presidente do Senado, embora afastado do MAS.
Historicamente, as pesquisas na Bolívia apresentam margens de erro elevadas. O voto indeciso, antes favorável ao MAS, agora migra à oposição devido à crise econômica atual. Mesmo considerando um eventual voto oculto para Rodríguez, modelos indicam que ele perderia em um segundo turno para qualquer dos adversários.
Morales Inelegível
Evo Morales, presidente entre 2006 e 2019, não pode concorrer novamente após decisão do Tribunal Constitucional por já ter cumprido três mandatos consecutivos. Ele enfrenta acusações graves que nega e reside na região do Chapare, incentivando voto nulo, argumentando que venceria se esta fosse a escolha predominante.
Toranzo ressalta que o voto nulo não é exclusivo de Morales. Peñaranda minimiza a estratégia, pois votos nulos não têm valor legal ou político significativo.
Contexto Econômico
A Bolívia enfrenta crise econômica séria, com escassez de dólares devido à queda nos investimentos e exportações, principalmente de gás natural. Reservas internacionais caíram de US$ 15 bilhões em 2014 para US$ 2,8 bilhões atualmente, agravada pela redução do consumo por parte de Brasil e Argentina.
A moeda boliviana está atrelada ao dólar há 17 anos, causando valor elevado no mercado paralelo. A economia depende fortemente de importações, convivendo com falta de produtos básicos e inflação crescente, atualmente acumulando 24,8% nos últimos doze meses.
Subsídios a combustíveis e alimentos representam 4,2% do PIB, déficit fiscal é de 13% e dívida pública ultrapassa 110% do PIB. A classe média consolidada pela redução da pobreza regride ao estado anterior, e protestos podem ocorrer devido à instabilidade inicial do novo governo, que deve ajustar subsídios, segundo Peñaranda.
Toranzo destaca que 70% da população aceita ajustes se houver garantias para o futuro, e muitos preços já refletem o dólar paralelo.
Desafios na Governabilidade
A Bolívia elegerá 36 senadores e 130 deputados. A esquerda deve formar minoria, com maioria nas mãos da direita e centro-direita. O próximo governo precisará formar alianças para governar.
Toranzo acredita que o novo Congresso exigirá diálogo, diferente do modelo dominante anterior. Peñaranda comenta que, embora adversários nas eleições, Quiroga e Doria Medina têm afinidades políticas e podem governar juntos após um segundo turno.
Esse cenário representa uma mudança política importante para a Bolívia, com expectativa de maior cooperação e reformas econômicas para enfrentar as dificuldades internas.
