Frente parlamentar critica veto de Bolsonaro, que alegou razões fiscais para barrar o benefício concedido a instituições religiosas. Líderes evangélicos entendem que a cobrança, além de ilegal, não deve ser computada no Orçamento
Poucas são as chances de manutenção do veto presidencial ao perdão a dívidas de igrejas e templos. A frente parlamentar evangélica, que conta com 220 parlamentares de quase todos os partidos, se reúne hoje para debater as estratégias para a derrubada do veto. E a permeabilidade é a maior força do grupo, que tem, entre os integrantes, desde o líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), até deputados petistas como Benedita da Silva (RJ) e Airton Faleiro (PA), ligado à Igreja Católica. Os débitos somam quase R$ 1 bilhão.
O presidente da República, que retirou o dispositivo ao sancionar a Lei nº 14.057/2020, publicada no Diário Oficial da União (DOU) de ontem, que disciplina o acordo com credores para pagamento com desconto de precatórios federais, também está determinado a sanar a questão. Nem que seja por Proposta de Emenda à Constituição (PEC), conforme afirmou em uma rede social. Mas Bolsonaro também deixou claro a alternativa de vetar o projeto e pedir ao Congresso para derrubar a medida.
O presidente tem pressa em encontrar uma solução. Os evangélicos, os principais beneficiados pelo perdão das dívidas, são parte importante de seu eleitorado e apoio político. A iniciativa de vetar o trecho causou surpresa a parlamentares. Principal responsável pelo trecho inserido no projeto de lei, o deputado federal David Soares (DEM-SP), filho do missionário R.R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, afirmou que o chefe do Executivo foi mal assessorado.
Isso (o perdão da dívida de igrejas e templos) foi votado por ampla maioria dos parlamentares. Ninguém estava ali inocentemente. É um perdão de lançamentos fiscais que são ilegais. O presidente da República foi mal orientado juridicamente. A base de sustentação do argumento dele não se sustenta. O perdão não compromete a responsabilidade fiscal. Lançar aquilo como parte do orçamento é uma irresponsabilidade. Quem vendeu isso para o presidente foi inocente”, reclamou.
O demista afirma que igrejas e templos nunca reconheceram a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os templos de qualquer culto como justa, e que a questão já foi judicializada. “Desde 2008, temos problemas dessa natureza. Mudaram as regras do jogo no meio do jogo. Um ataque às instituições religiosas e de forma predominante às evangélicas. Qual é o animus da Receita Federal em cima de ação da administração interna das instituições? A Receita quer controlar o que a igreja dá de auxílio a padres? A igreja decide o que paga administrativamente para o padre ou pastor. É uma questão interna”, argumentou.
Antes da publicação do veto no DOU, Bolsonaro adiantou a decisão nas redes sociais. Afirmou que a medida era necessária para evitar que respondesse a um processo de impeachment por crime de responsabilidade fiscal. “A PEC é a solução mais adequada porque, mesmo com a derrubada do veto, o TCU já definiu que ‘as leis e demais normativos que instituírem benefícios tributários e outros que tenham o potencial de impactar as metas fiscais somente podem ser aplicadas se forem satisfeitas as condicionantes constitucionais e legais mencionadas’”, publicou o presidente.
O presidente da frente parlamentar Evangélica, Silas Câmara (Republicanos-AM) também se disse surpreso, segundo ele, “pela quantidade de especialistas que afirmam ser legítima e constitucional a matéria e sem envolvimento com responsabilidade fiscal”. Questionado sobre quem apoiaria a derrubada, ele disse que é cedo. “Mas, se for para derrubar o veto, teremos os votos, pode acreditar”, garantiu.
O PSol foi o único partido que votou integralmente contra o socorro. “Por mais que a maioria das bancadas tenham votado a favor, a repercussão negativa constrange. E muita gente se sentirá pouco à vontade de derrubar o veto. Por um lado, são um setor significativo no apoio eleitoral. Por outro, o calendário dificulta a votação e articulação de projetos. Estamos com temas significativos como pacote anticrime, BPC, e fica difícil construir apoio sobre pauta polêmica”, avaliou a líder da legenda na Câmara, Sâmia Bomfim (SP).