Há anos, pilotos aposentados da Bundeswehr, contratados por empresas privadas, dão treinamento a militares chineses. Alemanha teme que prática coloque em risco segredos de defesa.
No passado, a Alemanha possuía programas oficiais de treinamento militar com a China. A troca entre militares de experiências técnicas e táticas é comum. Militares também costumam levar suas habilidades únicas para o setor privado depois de se aposentarem.
Mas, hoje me dia, quando se trata da China, essas normas estão sendo examinadas mais de perto. Isso ficou claro recentemente pela forte reação na Alemanha a uma reportagem que revelou uma prática considerada comum: de acordo com a revista Der Spiegel e a emissora pública de televisão ZDF, um “punhado” de pilotos aposentados da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) foi contrato para dar treinamento na China.
O ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, que estava em Cingapura participando de uma cúpula de defesa de alto nível quando a história estourou, só pôde dizer a seu homólogo chinês, Li Shangfu, que esperava que “essa prática fosse interrompida imediatamente”.
O fato ocorre justamente quando o governo alemão, a pedido dos Estados Unidos, reavalia as relações econômica e estratégica com a segunda maior economia do mundo e crescente poder militar.
“O ministério [da Defesa] agora deve fazer todo o possível para acabar com essa prática”, disse Marcus Faber, legislador e membros do comitê parlamentar de defesa, em nota à DW. “As regras para quem, devido ao seu trabalho para o Estado alemão, tem acesso a informações relevantes para a segurança precisam ser reforçadas com urgência”, completou.
Autoridade limitada
O trabalho em si não viola nenhuma lei. Mas a zona legal cinzenta deixa o governo alemão com autoridade limitada para interromper esse tipo de transferência de conhecimento.
De acordo com um porta-voz do ministério da Defesa alemão, exceto em caso claro de compartilhamento de segredos de Estado, os militares aposentados e outros funcionários do governo são amplamente livres para fazer uso de seus conhecimentos. Eles estão sujeitos a “obrigações de serviço ‘retroativas'”, destaca, que exigem que o comunicado sobre a nova ocupação e “manter sigilo sobre os assuntos de que tomaram conhecimento”. O ministério, então, realiza uma “verificação de conflito de interesses” e pode, se encontrar algum motivo, negar o novo emprego.
O ministério expressou preocupação com o fato de os pilotos chineses estarem recebendo não apenas instrução básica de voo, mas também informações sobre táticas e capacidades operacionais da Otan. Não está claro, no entanto, se isso constituiria uma quebra de confidencialidade.
Em declaração à DW, a escola sul-africana TFASA identificada na reportagem da Der Spiegel, negou que ponha em risco a segurança nacional de qualquer país. “Todos os aspectos e materiais de treinamento são estritamente não classificados e fornecidos com código aberto ou pelos próprios clientes”, disse uma consultoria de comunicações com sede em Londres que representa a TFASA.
O emprego de pilotos aposentados da Otan para treinar pilotos chineses pode remontar há quase uma década, dizem observadores especializados no Exército de Libertação Popular (PLA), as forças armadas da China. Ou seja: isso estaria ocorrendo muito antes de a União Europeia classificar a China como um “rival sistêmico” e a estratégia de segurança nacional dos EUA chamar a China de “único concorrente” com os meios e o desejo de “reformular a ordem internacional”.
Mas a China tem uma longa história de uso bem-sucedido do conhecimento estrangeiro para acelerar seu desenvolvimento doméstico. Todos os avanços do Ocidente em pesquisa, indústria e tecnologia têm um equivalente chinês. E não é preciso um grande salto para aplicar esses esforços no setor de defesa.
“Para o PLA, trabalhar com pilotos ocidentais aposentados permite que eles refinem sua doutrina e, essencialmente, roubem segredos dos exercícios militares dos países ocidentais'”, disse Tzu-Yun Su, pesquisador do Instituto de Defesa Nacional e Pesquisa de Segurança (INDSR), em Taiwan.
Questão da Otan
As revelações da mídia alemã ocorrem em meio a uma enxurrada de casos semelhantes em outros países. Pilotos britânicos e americanos também foram citados por participar de programas de treinamento chineses. Como na Alemanha, o Parlamento britânico está considerando endurecer as leis que regem o assunto.
Em um caso mais extremo, um australiano ex-piloto dos fuzileiros navais dos Estados Unidos foi preso no ano passado na Austrália, onde vive atualmente. Daniel Duggan enfrenta a extradição para os EUA sob a acusação de conspiração, tráfico de armas e lavagem de dinheiro em conexão com uma suposta missão de treinamento na China, sob contrato com a TFASA.
Duggan nega qualquer irregularidade, dizendo que o caso é politicamente motivado, já que as relações EUA-China se deterioraram desde o término de seu contrato.