CLÁUDIA COLLUCCI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Somente 19,7% das Unidades Básicas de Saúde (UBS) em todo o Brasil realizam a colocação do DIU (dispositivo intrauterino), um método contraceptivo eficaz, duradouro e reversível, segundo dados de um levantamento nacional do Ministério da Saúde.
O estudo, que avaliou aproximadamente 50 mil locais de atendimento da Atenção Primária à Saúde (APS) no Sistema Único de Saúde (SUS), mostra ainda que 60,4% dessas unidades necessitam de obras ou ampliações, e apenas 21% dispõem de sala apropriada para coleta de exames laboratoriais.
Embora o levantamento não tenha detalhado as causas da baixa oferta do DIU, especialistas apontam para o déficit de capacitação e a insegurança de muitos profissionais generalistas, que às vezes consideram o procedimento uma atribuição exclusiva do ginecologista, além da falta de informação adequada acerca do método.
Gustavo Gusso, médico de família e professor da USP, ressalta que o programa Mais Médicos não prepara efetivamente os profissionais para esse tipo de procedimento. Ele afirma que a inserção do DIU por ginecologistas só deveria ocorrer em casos específicos, enquanto médicos de família devem estar aptos para realizar a maioria dos procedimentos.
Fabiano Guimarães, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina e Comunidade, destaca que a principal barreira é a ausência de treinamento adequado. Ele comenta que, apesar do treinamento ser padrão na residência de medicina de família, muitos profissionais ainda não receberam essa capacitação.
Carmem Silvia Guariente, 2ª vice-presidente do Conselho Paulista dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems-SP), menciona a insegurança dos médicos da atenção básica, mesmo entre os capacitados, além de dificuldades estruturais, como a ausência de ultrassonografia em muitos municípios, o que dificulta o diagnóstico após a colocação do DIU.
Outros obstáculos apontados incluem a alta demanda por atendimentos na atenção básica, o que limita o tempo para procedimentos como a inserção do DIU, e fatores culturais que levam muitas mulheres a preferirem a pílula anticoncepcional, mesmo com a maior eficácia do DIU.
O dispositivo oferecido nas unidades de saúde é o DIU de cobre, que atua impedindo a movimentação adequada dos espermatozoides sem afetar a fertilidade a longo prazo, sendo uma alternativa recomendada para mulheres que não desejam ou não podem usar métodos hormonais.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 mostram que apenas 4% das mulheres em idade fértil utilizam o DIU, enquanto 38% usam a pílula contraceptiva, 21% a camisinha masculina e 19% adotaram a esterilização feminina.
Carmem Silvia Guariente reforça que o DIU é uma ferramenta importante para prevenir a gravidez não planejada, por não requerer uso diário e podendo permanecer eficaz por até dez anos.
Fátima Marinho, pesquisadora da UFMG, afirma que o baixo uso do DIU resulta da falta de campanhas educativas, do preconceito e da desinformação, o que gera insegurança nas mulheres e pouca procura pelo método.
Os profissionais de saúde também podem se mostrar receosos em oferecer o DIU pela baixa demanda e por terem pouca prática na inserção, o que mantém o ciclo da baixa oferta.
De acordo com Fabiano Guimarães, muitas vezes a decisão sobre o método contraceptivo é feita pelo profissional, que pode priorizar o que é mais fácil para ele, e não necessariamente a escolha da mulher.
Em nota, o Ministério da Saúde informa que tem apoiado estados e municípios para ampliar o acesso a métodos contraceptivos na atenção básica, incluindo a capacitação de mais de 4.700 médicos do programa Mais Médicos e enfermeiros em áreas remotas. O ministério também está implantando centros de multiplicação da prática em diversas capitais.
O órgão destaca que o número de inserções de DIU na atenção básica cresceu 55% nos últimos dois anos, passando de 52 mil em 2022 para 80,3 mil em 2024, e que são investidos R$ 2,8 bilhões por ano para as equipes de saúde da família realizarem o procedimento. Os dispositivos são distribuídos regularmente aos estados.
O projeto Saúde Pública recebe apoio da Umane, associação civil voltada para iniciativas de promoção da saúde.