PEDRO LOVISI
FOLHAPRESS
A Agência Nacional de Mineração (ANM), encarregada de fiscalizar as mineradoras, teve que diminuir o número de inspeções em barragens de rejeitos devido ao bloqueio de quase R$ 6 bilhões do governo federal. Um comunicado sobre essa situação foi enviado a cinco ministros na última quinta-feira (16), no mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participava do novo conselho de política mineral.
Segundo o documento assinado pelo diretor-geral da agência, Mauro Henrique Moreira Sousa, a ANM ainda enfrenta um déficit de R$ 3,2 milhões para inscrições em restos a pagar, o que agrava ainda mais a situação financeira.
Devido a essa restrição orçamentária, a agência precisou reduzir o número de vistorias em barragens de mineração, incluindo aquelas que romperam causando tragédias em Brumadinho e Mariana, que completaram dez anos em novembro.
A meta da ANM para este ano era vistoriar 152 barragens, mas o bloqueio de verba reduziu essa previsão para 135. Contudo, o diretor-geral alerta que há um alto risco de as 15 inspeções restantes não serem realizadas, já que o orçamento da área está quase zerado.
A agência também não dispõe de recursos para realizar fiscalizações emergenciais, que são essenciais para responder rapidamente a situações críticas de segurança, como riscos iminentes de rompimento de barragens.
O ofício foi enviado aos ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão e Inovação no Serviço Público) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
O Ministério do Planejamento explicou que os bloqueios e contingenciamentos são feitos para cumprir as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Regime Fiscal Sustentável, deixando a critério de cada órgão decidir quais programas serão afetados. O Ministério de Minas e Energia não respondeu aos pedidos de esclarecimento.
Além disso, a ANM teve que suspender 114 fiscalizações de empreendimentos previstas para o último trimestre de 2025, por falta de recursos para custear as viagens dos servidores. Essa suspensão inclui áreas que costumam abrigar garimpos ilegais, colocando em risco as comunidades próximas a esses locais.
Uma minuta assinada por um superintendente da agência no início da semana destacava que a paralisação das atividades da ANM poderia expor a população a riscos e acidentes graves. Embora esse documento tivesse destino ao presidente Lula, ele não chegou a ser divulgado oficialmente.
O diretor-geral também comunicou que a fiscalização do pagamento do Cfem (royalties da mineração) foi interrompida. Esses pagamentos são feitos voluntariamente pelas mineradoras, e a fiscalização é fundamental para evitar fraudes.
Segundo Mauro Henrique Moreira Sousa, o bloqueio do orçamento resultará em uma queda de 18% na arrecadação dos royalties em relação a 2024, o que equivale a uma perda de R$ 900 milhões.
Além disso, o desenvolvimento de sistemas para combater a sonegação do Cfem foi paralisado, incluindo uma parceria com a Receita Federal para cruzar notas fiscais e pagamentos voluntários das empresas.
Esse programa é considerado uma das principais ferramentas para impedir fraudes no setor.
Um relatório do Tribunal de Contas da União de 2023, relatado pelo ministro Benjamin Zymler, mostrou que 70% dos titulares de direitos minerários no Brasil não pagaram o Cfem espontaneamente entre 2017 e 2022. Esses valores são repassados para os cofres federal, estaduais e municipais.
Embora a entrada de 216 novos servidores em junho tenha ajudado a aliviar alguns processos da agência, não houve aumento no orçamento, o que obrigou a ANM a usar recursos próprios para a capacitação dos novos funcionários e aquisição de equipamentos.
Também não há verba para pagamento de trabalhadores terceirizados no valor de R$ 690 mil, nem para viagens de servidores a Portugal e Canadá para eventos internacionais do setor.
Adriano Drummond Trindade, advogado do escritório Mattos Filho, destacou que a ANM está sem recursos mínimos para cumprir suas funções justamente quando a mineração está no foco global. Ele ressaltou que a gestão do patrimônio mineral do país exige investimentos públicos compatíveis com a sua importância.
O ofício evidencia as dificuldades financeiras e de recursos humanos enfrentadas pela ANM desde sua criação em 2017, e que os cortes orçamentários aumentaram durante o atual governo.
A agência também enfrenta interferência política e casos de corrupção, como a prisão em setembro do diretor Caio Mário Trivellato Seabra Filho, indicado pelo ministro de Minas e Energia, durante operação da Polícia Federal. Um ex-diretor próximo do presidente do Senado também foi preso.
Em nota, a Amig Brasil, associação que representa municípios mineradores, classificou como inadmissível a falta de ações básicas, enquanto se destacam discursos sobre minerais estratégicos. A entidade apoia os servidores da ANM e cobra do governo federal o fortalecimento financeiro e técnico da agência para assegurar uma mineração segura e fiscalizada no país.
