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sábado, 23/08/2025

Agentes Humanitários Acusam ONGs de Ocultar Conflito em Gaza

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Durante meses, uma agente humanitária experimentou uma intensa sensação de raiva. Até o primeiro semestre de 2025, ela trabalhou em Jerusalém defendendo direitos ligados a Gaza e aos territórios palestinos ocupados para uma grande organização sediada nos Estados Unidos.

Ela relatou à DW que frequentemente enfrentava dificuldades para publicar uma única declaração, pois a liderança da organização preferia suavizar a linguagem, evitando termos como ocupação, bloqueio e responsabilidade, considerados problemáticos. A agente sentia que estava colaborando para encobrir a situação em Gaza, sendo basicamente instruída a mentir.

Apenas uma forma branda de descrever Gaza

Ela afirmou que a única maneira permitida para descrever o que ocorria em Gaza era com uma linguagem extremamente amena, que minimizava o papel de Israel.

Ao longo de vários meses, o departamento de jornalismo investigativo da DW conversou com 19 pessoas ligadas a organizações internacionais que prestam assistência humanitária aos palestinos. Quase todos pediram anonimato, temendo pela segurança de seus empregos.

A DW analisou e-mails, mensagens e diretrizes internas, além de examinar as publicações oficiais dessas ONGs. Foi constatado que, nos últimos meses, várias organizações restringiram sua linguagem pública sobre a guerra em Gaza, iniciada por Israel após ataques do Hamas em outubro de 2023.

Alguns grupos humanitários renomados evitaram críticas contundentes, mesmo com a guerra causando mais de 62 mil mortes, incluindo 19 mil crianças, além de deslocamentos e fome em massa.

Essa mudança ocorreu após um novo processo de registro imposto pelas autoridades israelenses no final de 2024, que exigia que as ONGs se registrassem novamente até setembro de 2025 para continuar atuando em Gaza e na Cisjordânia, gerando um efeito intimidatório.

Precedente perigoso

As organizações devem fornecer aos órgãos israelenses dados confidenciais, incluindo informações pessoais de seus funcionários palestinos, o que gerou medo de represálias nesses territórios. Além disso, as autoridades podem negar licenças a ONGs que apoiem processos contra soldados israelenses ou que tenham manifestado apoio a boicotes a Israel nos últimos sete anos.

Em agosto, cem organizações internacionais denunciaram o processo como uma tentativa de impedir ajuda imparcial, silenciar a defesa de causas e censurar reportagens humanitárias.

Shaina Low, assessora de comunicação para a Palestina no Conselho Norueguês para Refugiados, destacou que isso cria um precedente preocupante. Sua organização é uma das poucas que continuam se posicionando abertamente sobre Gaza.

O Ministério de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo de Israel afirmou apoiar atividades humanitárias legítimas, mas não permitirá que agentes hostis atuem sob essa justificativa.

Autocensura nas comunicações

Após o anúncio do registro, muitas organizações passaram a reduzir sua visibilidade pública, evitando menções ao Tribunal Penal Internacional, à Corte Internacional de Justiça ou ao Direito Internacional Humanitário.

Por exemplo, em outubro de 2023, o Comitê Internacional de Resgate (IRC) descreveu a situação de Gaza como um “cerco”, mas após o processo de registro não mais utilizou esse termo.

A Ação Contra a Fome (ACF) denunciou ataques deliberados contra civis como violações do Direito Internacional Humanitário antes do registro, porém depois deixou de citar tais violações de forma específica, focando em garantir a continuidade das operações e o acesso às populações vulneráveis.

Operações sob restrição

Desde o começo do conflito, Israel tem restringido o fluxo de ajuda para Gaza, com bloqueios totais em alguns períodos. Em maio de 2025, introduziu um programa de distribuição que exclui organizações humanitárias tradicionais, transferindo a entrega de ajuda para a Fundação Humanitária de Gaza (GHF), que possui poucos pontos de distribuição.

Segundo a ONU, mais de 800 palestinos foram mortos próximos a esses locais. A GHF nega as acusações, atribuindo-as ao Ministério de Saúde controlado pelo Hamas.

Dilema dos trabalhadores humanitários

Diante do monopólio da GHF na distribuição e das exigências de registro, os trabalhadores enfrentam a difícil escolha entre falar abertamente, correndo o risco de perder acesso, ou restringir sua linguagem para continuar prestando ajuda.

Uma trabalhadora destacou que, no futuro, muitos desejarão ter se manifestado mais cedo e com mais clareza sobre a situação dramática de Gaza.

Essa autocensura cria um conflito entre as prioridades políticas das ONGs e as reais necessidades dos civis, dificultando a compreensão da verdadeira situação no território.

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