Na rota do tráfico, capital do país é passagem e destino de substâncias ilícitas. Na noite de domingo, a polícia encontrou 2,5 toneladas de maconha na área rural de Ceilândia
Uma ação policial corriqueira resultou na maior apreensão de maconha do ano no Distrito Federal. No fim da noite de domingo, por volta das 23h, na área rural de Ceilândia, policiais militares do DF ouviram disparos de arma de fogo durante uma ronda na região. Ao verificar a ocorrência, os grupos táticos Operacional e Ambiental da Polícia Militar do DF (PMDF) encontraram, em um barraco, 2,5 toneladas de maconha e mais de 30kg de skank — variedade da droga com maior concentração psicotrópica. Um homem foi preso em flagrante no local, por tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo. Ele estava com uma espingarda calibre 22 e foi apresentado na 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro).
Para o especialista em segurança pública Leonardo Sant’Anna, o combate ao tráfico seria mais eficaz se o governo do Distrito Federal usasse estratégias de colaboração com outros órgãos de segurança. “É um golpe duro contra os lucros que o narcotráfico busca, mas longe do que as forças de segurança poderiam fazer. Há espaço para muito mais prejuízos [para o tráfico], desde que usemos a força que a capital do país tem para realizar mais convênios, capacitação técnica, treinamentos e aquisições de ferramentas mais modernas de combate ao tráfico de drogas”, sugere.
Além disso, Sant’Anna cita alguns aspectos do enfrentamento ao tráfico no DF que necessitam de incentivo. “Ainda é preciso um investimento maciço em todos os setores relacionados a inteligência para combate ao crime organizado. Outros atores também precisam estar envolvidos nesse processo, como o Ministério Público, que também precisa ter uma conexão importante com essa situação, o governo federal, e, é claro, a Polícia Rodoviária Federal, uma vez que ela é responsável pelo controle de tráfego e fiscalização da entrada desse tipo de droga aqui no Distrito Federal, feita normalmente por vias terrestres”, afirma.
Ações
O major Michello Bueno, da PMDF, ressalta a importância da operação de domingo para a segurança pública da capital do país. “Foi a maior apreensão do ano e uma das maiores da história do Distrito Federal. A quantidade apreendida ultrapassa R$ 3 milhões. O skunk tem dez vezes mais THC (tetra-hidrocarbinol) que a maconha, é uma droga desenvolvida em laboratórios e vendida para classe média alta. Foi um golpe muito forte no tráfico e vai ajudar a reduzir outros crimes ligados às drogas, uso, porte, furto e roubo”, diz.
As ações de repressão ao tráfico feitas pelas forças de segurança da capital federal resultaram em mais de 2,6 mil toneladas de maconha apreendidas, apenas nos seis primeiros meses de 2022. O número ultrapassa a quantidade da droga recolhida durante todo o ano de 2019 — 2,4 mil toneladas. Em 2020 e 2021, o total de maconha retirada das ruas do DF foi cerca de quatro vezes superior (veja quadro).
O delegado Rogério Henrique Oliveira, coordenador de Repressão às Drogas (Cord) da PCDF, destaca que o DF se comporta como consumidor final das drogas e passagem para outros destinos dos produtos, devido ao alto poder aquisitivo dos brasilienses e à localização geográfica do DF. “É uma unidade da Federação pequena. O grupo criminoso pensa em passar por Brasília porque, em apenas 60km, já estará em outros estados”, observa o investigador. Ele acrescenta que, muitas vezes, os itens não chegam ao Distrito Federal. “Estamos percebendo, há algum tempo, que as drogas param no Entorno, onde são divididas. A viagem, então, prossegue, e parte da carga vai para Goiânia e parte vem para o DF. É mais fácil transportar pequenas porções. É o crime tentando se adaptar à realidade que estão enfrentando”, acrescenta Rogério.
O delegado acredita na redução de outros tipos de crime, por meio do enfrentamento ao comércio ilegal de substâncias ilícitas. “É a matriz de diversos outros crimes. O tráfico de drogas gera acerto de contas, que leva a homicídios e tentativas de homicídios, além de latrocínios, roubos, furtos e receptação. É uma rede”, analisa Rogério, citando a rede ilegal de atuação. “Ao seguir o dinheiro, conseguimos descortinar sistemas criminosos de altíssima complexidade. É um eterno jogo de caça, de gato e rato. A gente começa a chegar ao patrimônio e eles começam a difundir ainda mais o dinheiro, passando para várias pessoas em pequenos depósitos, para despistar o monitoramento das atividades econômicas feito pelos órgãos. Os grupos criminosos sabem dos limites e pulverizam os valores, com transferências diárias ou colocando mais integrantes na cadeia da lavagem de dinheiro”, aponta.
Sem descartar a importância da batalha contra o tráfico local, o coordenador da Cord defende focar os trabalhos na desmontagem dos grandes esquemas. “Enquanto a gente não atacar as organizações, que fornecem aos criminosos menores, o tráfico menor vai continuar existindo. Por isso a importância do combate de esquina, na porta das escolas e nas praças perto das casas, porque incomoda. Isso preocupa e é muito relevante para a comunidade local. A melhor forma de reduzi-lo é atacar o patrimônio das grandes organizações”, conclui o delegado Rogério.
Estimativas
Saiba os valores médios de venda de drogas no DF
Maconha (kg): R$ 1,8 mil
Merla (kg): R$ 10 mil
Cocaína (kg): R$ 40 mil
Crack (kg): R$ 20 mil
Haxixe (kg): R$ 20 mil
Skunk (kg): R$ 20 mil
Ecstasy (cp): R$ 30
Catinona (cp): R$ 20
LSD (microsselo): R$ 50
Diclorometano (frasco 100mL): R$ 80
Fonte: Polícia Civil do DF. Por se tratar de mercado ilegal, não há como calcular precisamente os preços, segundo a PCDF. Os números representam possíveis custos observados no DF
Apreensões por região
Maconha
Fora do DF: 6.059,5 kg
Planaltina: 4.477,5 kg
Gama: 2.949,5 kg
Cocaína
Ceilândia: 198,7 kg
Fora do DF: 108,2 kg
Taguatinga: 93,5 kg
Crack
Ceilândia: 121,9 kg
Fora do DF: 114,9 kg
Sol Nascente/Por do Sol: 46,2 kg
Ecstasy
Ceilândia: 7.916 comprimidos
Guará: 7.150 comprimidos
Taguatinga: 4.328 comprimidos
LSD
Núcleo Bandeirante: 14.495 selos
Recanto das Emas: 1.078 selos
Plano Piloto: 724 selos
Skunk
Taguatinga: 42,7 kg
Recanto das Emas: 40,9 kg
Sobradinho: 19,8 kg
Fonte: Polícia Civil do DF. Números de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 (até 22 de junho)
Substâncias
Produtos ilícitos tirados de circulação das ruas do DF
Maconha
2018: 3.137,984 kg
2019: 2.479,3342 kg
2020: 8.242,999 kg
2021: 10.193,901 kg
2022: 2.671,429 kg
Cocaína
2018: 76,990 kg
2019: 80,440 kg
2020: 232,402 kg
2021: 304,466 kg
2022: 157,736 kg
Crack
2018: 76,571 kg
2019: 58,605 kg
2020: 137,058 kg
2021: 121,703 kg
2022: 131,126 kg
Fonte: Polícia Civil do DF. Dados de apreensões feitas pelas forças de segurança do DF. Números de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 (até 22 de junho)