O que é ter uma morte tranquila? Essa resposta muda conforme as experiências e culturas de cada um. Um estudo recente, publicado na revista BMC Palliative Care, comparou como pessoas com demência no Brasil e no Reino Unido veem o fim da vida.
A pesquisa entrevistou 32 pessoas com demência em estágios leves e moderados, todas aptas a expressar seus sentimentos e desejos.
Os resultados apontam que no Reino Unido, o foco estava no controle das decisões e no planejamento. Já no Brasil, a fé em Deus, a espiritualidade e a aceitação do destino foram os pontos principais mencionados.
Incluindo pessoas com demência no debate
Edison Vidal, coautor do estudo e diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo, destaca que incluir pessoas com demência nas conversas sobre o fim da vida foi essencial.
Ele explica que, nas fases iniciais e moderadas, muitos ainda conseguem manifestar preferências, refletir sobre valores e participar de diálogos importantes.
“Esse grupo com demência costuma não ser ouvido. Muitos pensam que eles já não podem contribuir”, diz Vidal.
O que influencia a ideia de uma boa morte
A valorização da autonomia no Reino Unido e a priorização da espiritualidade no Brasil mostram culturas diferentes. Segundo Vidal, na Europa, há um forte valor na liberdade individual, onde uma boa morte é escolher como e quando ela acontece.
No Brasil, desafios sociais e econômicos fazem com que as pessoas lidem com a morte de outro jeito. “A religião é uma forma de aliviar o medo do que está fora do nosso controle”, explica o pesquisador.
Essas diferenças têm impacto direto na maneira que os profissionais da saúde cuidam no final da vida. Não dá para aplicar o mesmo modelo para todos.
Cuidados que respeitam a cultura do paciente
Vidal ressalta que, ao planejar o cuidado para pacientes brasileiros, a conversa deve ser ajustada. Em vez de focar só em controle e autonomia, deve se considerar o desejo de não causar sofrimento à família.
O psicólogo Marcelo Matias, que atua em Campinas, acredita que conversar com o paciente sobre a morte garante dignidade e respeita seus valores.
“Quando uma pessoa com demência ainda pensa claramente, ela pode dizer o que quer e como quer ser cuidada”, afirma Matias.
Ele destaca ainda que a espiritualidade ajuda muitos a enfrentar o medo da morte, dando mais serenidade ao sofrimento, pois acreditam em um propósito maior.
Ter essa conversa, feita com cuidado e escuta, pode ser bom para paciente e família.
Refletir sobre a morte e viver melhor
Além de ajudar no cuidado, pensar sobre o fim pode mudar a forma de viver. Matias observa que, ao pensar na morte, pacientes passam a valorizar mais as relações e os pequenos momentos.
“Pensar sobre o fim não é triste. Pode ser um convite para viver com mais sinceridade”, diz o psicólogo.
O estudo também mostra como profissionais da saúde podem adaptar o atendimento no Brasil, respeitando as crenças e ouvindo cada paciente.