Nesta pequena cidade-estado com pouco menos de 56 anos de independência nacional, limpeza é sinônimo de profundas conquistas sociais
Sinto isso toda vez que saio do avião: o frio repentino do ar-condicionado no máximo e o aroma característico do difusor de fragrância de chá de orquídea.
Os aeroportos podem parecer todos iguais, mas desembarcar em Changi — tanto hoje quanto muito antes da pandemia de covid-19 — é uma experiência única de Cingapura.
No trajeto até o controle de passaportes, caminhando pelo ar perfumado, você verá paredes verdes impecavelmente cuidadas, equipes de limpeza (tanto na forma humana quanto robótica) e banheiros de alta tecnologia com telas de feedback interativas.
Se você sair do aeroporto esperando que o resto da cidade seja tão limpo e organizado, não vai ficar desapontado.
Uma vez descrita pelo jornal americano New York Times como um lugar “tão limpo que o chiclete é uma substância controlada”, Cingapura é universalmente conhecida por suas estradas perfeitamente pavimentadas, parques públicos bem cuidados e ruas sem lixo.
Mas a limpeza é mais do que um ideal meramente estético por aqui.
Nesta pequena cidade-estado com pouco menos de 56 anos de independência nacional, limpeza é sinônimo de profundas conquistas sociais, de um crescimento econômico sem precedentes e, mais recentemente, de uma contenção coordenada da pandemia de covid-19.
Enquanto a população tende a ignorar humildemente a sugestão de que seu país é especialmente limpo, seus líderes têm feito de tudo para obter e manter uma imagem pública imaculada.
“A reputação de limpeza de Cingapura é algo que o governo buscou conscientemente promover”, explica Donald Low, um acadêmico de Cingapura que estuda políticas públicas.
“Originalmente, essa limpeza tinha pelo menos duas conotações: a primeira era a limpeza física ou ambiental; a segunda era um governo e uma sociedade honestos, que não toleram a corrupção.”
Tendo se separado da Malásia em 1965, Cingapura, liderada pelo então primeiro-ministro Lee Kuan Yew, tinha grandes ambições de se tornar um “oásis de primeiro mundo em uma região de terceiro mundo”, nas palavras dele.
“Como uma cidade-estado recém-independente que estava ansiosa para atrair investimentos estrangeiros, Lee Kuan Yew acreditava, corretamente, que essas coisas iriam diferenciar Cingapura do resto do Sudeste Asiático”, acrescenta Low.
Na prática, alcançar a limpeza significava desenvolver sistemas de esgoto de qualidade, criar programas para combater a dengue e outras doenças, conduzir um projeto de dez anos para despoluição do Rio Cingapura, o plantio de árvores em toda a ilha e a realocação dos vendedores ambulantes de comida, outrora onipresentes nas ruas, em centros cobertos voltados para isso.
Também significou a realização de uma série de campanhas nacionais de higiene pública, convocando os cidadãos de Cingapura a fazer sua parte.
“Manter a comunidade limpa requer um povo consciente de suas responsabilidades”, declarou Lee no lançamento, em 1968, do Keep Singapore Clean, uma iniciativa agora anual contra os detritos.
O discurso de Lee buscou despertar um novo sentimento de orgulho nacional entre a população, invocando um espírito coletivo e comunitário que ele via como vital para alcançar os objetivos da nação.
À medida que as condições ambientais da cidade-estado melhoravam, o mesmo acontecia com o apelo de Cingapura a investidores estrangeiros e turistas, dando início a um longo período de crescimento econômico sem precedentes.
Hoje em dia, Cingapura lidera regularmente rankings de pesquisas sobre condições sociais, segurança pessoal e qualidade de vida, entre as cidades globais; enquanto sua economia de mercado altamente desenvolvida é uma das mais competitivas do planeta.
Nenhum lugar parece mais emblemático do vigor atual da nação do que o Central Business District, onde torres de escritórios reluzentes e arranha-céus — que abrigam milhares de sedes de empresas internacionais — dividem o espaço com hotéis de luxo de classe mundial, incluindo o icônico Marina Bay Sands projetado por Moshe Safdie.
É o tipo de utopia futurista com a qual seu então primeiro-ministro e líder fundador só poderia ter vislumbrado em sonhos.
Lee ficou irritado porque, apesar das conquistas de seu país, ele era de alguma forma sempre questionado sobre a notória proibição de chicletes durante entrevistas com a imprensa estrangeira.
É improvável que ele tenha previsto o nível de atenção global que isso atrairia ao promulgar a lei em 1992, para combater o gasto com a limpeza de chicletes mascados de espaços públicos, como do então novo sistema MRT (de transporte público).
Hoje em dia, o consumo de chicletes é, na verdade, permitido — se você inadvertidamente contrabandear um pacote aberto na mala, não vai parar na prisão — mas a venda continua proibida.
Low explica que a infame lei do chiclete é, na verdade, bastante anômala em termos de formulação de políticas públicas em Cingapura.
“Em vez de proibições diretas”, explica ele, “o governo de Cingapura geralmente recorre a (des)incentivos financeiros para atividades que geram custos para a sociedade”, citando como exemplo a recente introdução de um imposto sobre o carbono, destinado a reduzir as emissões e incentivar o uso alternativo de energia limpa.
Mas será que Cingapura pode realmente ser tão limpa quanto sua reputação sugere?
Nem é preciso dizer que os arranha-céus reluzentes, os hotéis em forma de barco e as fontes de água feitas pelo homem não apresentam uma imagem precisa da vida cotidiana aqui.
No entanto, mesmo quando eu saía do centro da cidade e entrava nas partes em que os turistas raramente se aventuram, seus conjuntos habitacionais públicos uniformemente projetados, parques públicos bem cuidados e centros de vendedores ambulantes escrupulosamente regulamentados estavam longe de ser sujos.
Fui para Geylang, uma área de Cingapura famosa por sua excelente comida local (elogiada por Anthony Bourdain) e por ser o único distrito da luz vermelha legalizado na cidade.
Certamente, pensei, era ali onde veria a “verdadeira” Cingapura.
Já estava escurecendo e as ruas estavam iluminadas com letreiros de neon fluorescentes de aparência antiquada anunciando sex shops, salas de karaokê e cafés noturnos vendendo mingau de perna de sapo, uma iguaria regional.
“Pense nisso como o submundo de Cingapura”, disse Cai Yinzhou, parado ao meu lado em um beco mal iluminado, “o oposto dos arranha-céus bem cuidados que vemos no Central Business District”.
Yinzhou, um nativo de Geylang, que “cresceu com profissionais do sexo e operadores de jogos de azar na vizinhança”, agora dirige o Geylang Adventures, um tour organizado que visa “apresentar Geylang como um ecossistema social, além do lado decadente ou delicioso que a maioria dos moradores locais conhecem”.
O tour de Yinzhou explora bordéis, bares e o ambiente social de Geylang, que muitas vezes parecem estar em conflito com a reputação puritana de Cingapura.
Apesar de sua incongruência dentro de uma cidade “família”, Geylang não parecia um lugar perigoso. Nem de longe sem lei.
Com cerca de 500 câmeras de segurança cobrindo o bairro, havia uma forte sensação de que seus elementos indisciplinados — devido ao vício em drogas — estavam sendo cuidadosamente contidos e “frequentemente varridos”, como Yinzhou descreveu.
“Esta é a verdadeira Cingapura”, declarou um homem local que estava no nosso tour, “deveria estar no roteiro de todos os turistas.”
Eu me peguei concordando. Embora Geylang não parecesse estéril, acabou se encaixando, de sua maneira única, na narrativa nacional de uma sociedade limpa e sem corrupção de Cingapura.
Esses valores típicos de Cingapura foram efetivamente colocados à prova no ano passado.
Desde as fervorosas campanhas de Lee no fim da década de 1960, a questão da limpeza nunca pareceu tão pertinente quanto na era atual. Em um mundo que foi radicalmente redefinido pela pandemia de covid-19, as boas práticas de higiene pública podem ser uma questão de vida ou morte.
No cenário mundial, a resposta de Cingapura ao novo coronavírus foi amplamente elogiada.
Mas, diferentemente da maioria das nações, a forma como Cingapura lidou com a pandemia não foi puramente reativa.
A avançada infraestrutura de higiene pública do país significava que, de muitas maneiras, Cingapura já estava preparada.
“Treinamos nossos agentes para lidar com a desinfecção de doenças infecciosas antes mesmo da covid-19 chegar às nossas terras”, explicou Tai Ji Choong, diretor do departamento de limpeza pública da Agência Nacional de Meio Ambiente de Cingapura.
Após ter planejado um curso com a Escola Politécnica de Cingapura em 2017, Choong me disse que a equipe estava “dotada de habilidades e conhecimentos atualizados sobre técnicas de desinfecção, manuseio de desinfetantes, procedimentos de segurança e uso correto de equipamento de proteção individual para lidar com um surto de doença infecciosa em Cingapura”.
“O que se provou fundamental quando fomos notificados do primeiro caso de covid-19 no ano passado”, acrescentou.
Isso resultou na implementação eficaz de soluções de tecnologia de saúde pública: aplicativos de celular que permitem aos cidadãos adquirirem máscaras faciais; tecnologias inteligentes para monitorar a temperatura corporal em grandes grupos; e cães-robôs que patrulham parques públicos para fazer cumprir as medidas de distanciamento social.
Embora uma gestão governamental eficaz tenha sido crucial para lidar com o vírus, a pandemia forçou inevitavelmente os líderes a pedirem a colaboração dos cidadãos.
Em Cingapura, onde o uso de máscaras e o rastreamento de contatos são obrigatórios, a resposta da população tem sido totalmente positiva.
Mas, em uma sociedade com um legado cultural de limpeza, em que políticas de higiene pública e coordenação comunitária são a norma, o que mais você poderia esperar?