Muitas crianças não comem bem, assim por dizer. Uma nutricionista debate os principais desafios alimentares nessa fase da vida
Dados de estudos demonstram que cerca de 50% das crianças na faixa etária pré-escolar apresentam alguma dificuldade alimentar. Em uma pesquisa com mães brasileiras, por exemplo, 91% procuraram o pediatra com a queixa “meu filho não come”.
As deficiências nutricionais da criança podem ser atribuídas a uma alimentação inadequada como um todo – e, consequentemente, com carência de nutrientes de modo geral – ou ao aporte inadequado de um nutriente específico (zinco, ferro, fibras). As causas vão de hábitos desequilibrados aos efeitos negativos deflagrados por alguma doença ou incapacidade.
Em todo o mundo, crianças com dificuldades alimentares representam um problema significativo. Ora, elas necessitam de energia e nutrientes para seu rápido desenvolvimento nos primeiros anos de vida.
Crianças que passam um tempo longo sem uma nutrição completa e balanceada não raro apresentam déficit de crescimento e comprometimento do desenvolvimento cognitivo, além de uma deficiência das funções imunológicas, com maior risco de doenças infecciosas.
Muitos termos já foram usados para determinar esses transtornos. O termo dificuldade alimentar engloba qualquer quadro que afete negativamente o processo pelo qual os pais ou responsáveis fornecem alimento ou nutrição às crianças.
Essa expressão pode ser considerada um termo “guarda-chuva”, que comprova a grande diversidade das condições que afetam o processo alimentar. Ela inclui todo o espectro de problemas alimentares leves a graves, além de uma ampla gama de causas (problemas orgânicos, do desenvolvimento, comportamentais de dinâmica familiar), e as consequências que impactam no estado nutricional, no crescimento, no relacionamento entre pais e filhos…
Na maioria das situações, as dificuldades alimentares têm vários fatores que desencadeiam seu aparecimento e a sua persistência. A interação entre a criança, a comida e a pessoa que a alimenta gera múltiplas combinações de fatores de risco:
• O alimento pode não ser apropriado para a etapa de desenvolvimento da criança ou não é balanceado do ponto de vista nutricional
• A criança tem um temperamento mais sensível, dificuldades sensoriais e doenças orgânicas
• As pessoas que alimentam a criança não atentam para os sinais de fome/saciedade nem criam um ambiente apropriado à alimentação. Elas podem também ser excessivamente controladoras ou, ao contrário, pouco envolvidas
Há, portanto, vários tipos de dificuldade alimentar:
1. Falta de apetite por doença orgânica: inapetência causada por alguma doença (alergias alimentares ou doença celíaca, por exemplo), com sinais e sintomas sutis que às vezes passam despercebidos em um exame de rotina.
2. Inapetência por interpretação equivocada dos pais: os familiares acham que a criança não come o suficiente, embora um apetite modesto possa ser apropriado ao tamanho e às necessidades nutricionais dela.
3. Falta de apetite em uma criança agitada: ela se distrai facilmente da refeição para brincar ou interagir com alguém. Essas crianças são espertas, ativas e curiosas, e estão mais interessadas no ambiente do que na comida.
4. Inapetência em uma criança apática e retraída: a perda do apetite faz parte do quadro geral de retraimento ou até depressão.
5. Alimentação altamente seletiva: objeção radical e persistente a certos alimentos. A recusa é relacionada a características particulares, como sabor, textura, odor ou aparência. Essa rejeição ultrapassa a resistência normal a novos alimentos.
6. Medo da alimentação: fobia intensa à simples perspectiva de se alimentar e forte resistência a qualquer tentativa nesse sentido. A criança pode desenvolver o medo da alimentação depois de passar por alguma experiência oral negativa ou assustadora, como um engasgo grave ou uma intubação oral.
Normalmente os perfis mais comuns são:
- Alimentação altamente seletiva
- Inapetência por agitação
- Interpretação equivocada dos pais
A família é a principal responsável pela formação do hábito alimentar da criança. Os pais devem ser o exemplo, mantendo uma rotina de refeições saudáveis e não utilizando barganhas e chantagens.
É importante saber que as dificuldades alimentares são comuns em crianças pequenas e podem persistir por toda a infância. A boa notícia: a maioria dos quadros é leve e costuma ser tratado com sucesso pelo pediatra e pelo nutricionista.
*Patricia Ruffo é nutricionista e 2ª tesoureira da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN)