Em 2017, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) aplicou 644 multas nas estradas que cortam o DF
Brasília registra o maior número de envolvendo motoristas alcoolizados em rodovias federais. Em 2017, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) aplicou 644 multas nas estradas que cortam o DF. O total de flagrantes é mais do que o dobro do registrado pelo estado de São Paulo, o segundo colocado no ranking nacional (veja quadro). Entre as principais consequências dessa conduta estão as tragédias no asfalto. Nos primeiros três meses do ano até 23 de abril, o Departamento de Estradas de Rodagens (DER), com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Departamento de Trânsito (Detran), registrou 61 mortes nas vias da capital do país. Em 2016, no mesmo período, 116 pessoas perderam a vida no trânsito.
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Alguns dos acidentes mais recentes ocorridos no DF chamaram a atenção pela violência e pela irresponsabilidade. É o caso do atropelamento do ciclista Edson Antonelli, 61 anos, atingido pelo veículo conduzido por Monica Karina Rocha Cajado Lopes, 20. A morte aconteceu em 23 de abril, na ciclofaixa do Lago Norte. A motorista havia saído de uma festa, na Torre Digital, em Sobradinho, e, chegou à casa de uma amiga, na QI 12, em um carro pedido por meio de um sistema de transporte por aplicativos. A ideia inicial era dormir lá, mas resolveu ir com o próprio veículo ao Sudoeste, onde mora. No caminho, atropelou e matou Edson. Teste do bafômetro atestou 0,85mg de álcool por litro de ar expelido dos pulmões da jovem.
A nora da vítima, Yolita Antonelli, 30, reclama da frequente falta de educação ao volante e do desrespeito às leis no Distrito Federal. “Embora a Lei Seca tenha diminuído o número de mortes no trânsito por ingestão de álcool, apenas uma punição não surte o efeito desejado. Eu me pergunto o que falta para as pessoas se conscientizarem e não ingerirem bebida alcoólica enquanto dirigem”, afirma.
Outro acidente que chocou a capital aconteceu no último domingo e também tem relação com álcool e imprudência. A colisão próxima à Ponte das Garças matou mãe e filho na L4 Sul. O Fiesta vermelho da família foi atingido na traseira por um dos três carros envolvidos em um possível racha. Além do Jetta preto guiado pelo advogado Eraldo José Cavalcante Pereira, 34, outros dois automóveis participaram da ocorrência: um Range Rover Evoque, dirigido pelo sargento do Corpo de Bombeiros Noé Albuquerque Oliveira, 42, e um Cruze prata, da tenente do Exército Fabiana de Albuquerque Oliveira, 37. Fabiana e Noé são irmãos, e Eraldo, cunhado dos dois.
Após ser atingido, o Fiesta saiu da pista, bateu em uma árvore e capotou. Com o impacto, Cleuza Maria Cayres, 69, e o filho Ricardo Clemente Cayres, 46, que estavam no banco traseiro do veículo, morreram na hora. Oswaldo Clemente Cayres, 72, pai e marido das vítimas, e o motorista Helberton Silva Quintão, 37, cunhado de Ricardo, foram socorridos e levados ao Hospital de Base do DF com escoriações. A família havia saído de um churrasco na casa do irmão de Ricardo, no condomínio Ville de Montagne, no Lago Sul. Os envolvidos no suposto pega haviam passado o dia em festa realizada em um barco, no Lago Paranoá.
A Polícia Civil investiga se o trio estava sob efeito de bebidas alcoólicas. Agentes do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), que atenderam a ocorrência, atestaram que Fabiana e Noé apresentavam sinais de embriaguez — eles se recusaram a fazer o teste do bafômetro. Ambos prestaram esclarecimentos na 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul). O diretor-geral do DER, Henrique Luduvice, disse ao Correio que “os agentes do órgão cumpriram rigorosamente a legislação. Não aceitaram nenhum tipo de pressão e exerceram suas tarefas nos limites da legalidade.”
Os investigadores do caso colheram ontem à tarde mais dois depoimentos, totalizando 10 testemunhas até o momento. Foram ouvidos um agente do Detran e um funcionário de um píer do Lago Paranoá. Este confirmou que os envolvidos no acidente na L4 Sul fizeram um passeio de lancha no domingo. Outras testemunhas disseram que viram os veículos dos três suspeitos em alta velocidade. Eles prestaram esclarecimentos, mas nenhum ficou preso. Os familiares das vítimas serão os últimos a serem ouvidos na investigação.
Limitação
Dois dias após o acidente na L4 Sul, o governador Rodrigo Rollemberg determinou que o Detran intensificasse a fiscalização das blitzes, especialmente nos fins de semana. O cerco aos infratores, porém, esbarra na limitação de servidores e de equipamentos dos órgãos de trânsito. Para toda a capital do país, o DER conta com 170 agentes; os batalhões de Policiamento de Trânsito (Bptran) e Rodoviário (Bprv), da Polícia Militar, têm 118 PMs; e o Detran, 300 servidores.
Na análise do especialista em segurança de trânsito David Duarte, o efetivo é baixo para o Distrito Federal. “Quando se estuda uma região como o DF, com numerosas vias de alta velocidade, a densidade do policiamento é muito fraca. É preciso ter mais presença de, pelo menos, o dobro desse efetivo para se ter um policiamento ostensivo. Um amigo meu da Espanha, que trabalha com segurança de trânsito e foi diretor do Denatran de lá, andou comigo pelas vias de Brasília e eu perguntei o que mais o impressionou. Ele disse: ‘Ausência absoluta de fiscalização’”, afirmou.
Nos três primeiros meses do ano, houve 427 operações de Lei Seca, nas quais 1.905 condutores foram autuados por se recusarem a se submeter ao teste do bafômetro.
Arma
A combinação de bebidas alcoólicas e direção no trânsito aumenta o risco de acidentes graves. Malthus Galvão, professor de Medicina Legal da UnB, explica que qualquer quantidade de álcool no sangue leva à perda de reflexos, mesmo que mínima. Por isso, não é prudente tentar estabelecer limites no consumo. “Imagine uma situação de perigo em que você, por pouco, se envolveria em um acidente. Agora, diminua só um pouquinho sua habilidade, sua concentração, seu tempo de resposta, que você poderá parar embaixo de um caminhão. Isso não é nada bom”, analisa. “O motorista só pode voltar a pegar o volante quando tiver metabolizado praticamente todo o álcool. Esse tempo depende da quantidade de bebida ingerida e também de fatores individuais. Recomendo utilizar os bafômetros pessoais para se ter certeza. Há veículos que dispõem desse equipamento”, indicou.
Galvão alerta, ainda, que a mistura de álcool e direção deixam motoristas e passageiros vulneráveis. “Vale a pena lembrar que de nada adianta o cinto de segurança, a cadeirinha, os airbags e os pneus novos quando um condutor embriagado transforma seu carro em uma arma: ele mata, ele morre”, concluiu.
Criança atropelada perto do Conjunto
Uma criança de 5 anos está em estado grave após ser atropelada por um carro na Via N2, próximo ao Conjunto Nacional, no fim da tarde de ontem. Segundo o Corpo de Bombeiros, a mãe da vítima estava com três filhos, um deles no colo. Ao começar a travessia, dois correram atrás para tentar acompanhá-la, mas um deles foi atingido por um Honda CRV. O motorista do veículo, Marcos Thadeu Abicalil, prestou socorro e permaneceu no local durante todo o atendimento. Ele não teve ferimentos. A criança apresentou sangramento nasal, e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) a encaminhou para o Hospital de Base do DF com suspeita de traumatismo craniano. O trânsito ficou congestionado nas imediações do viaduto perto do Conjunto Nacional e teve de ser desviado para a contramão da via, pois as duas faixas no sentido L2 ficaram interditadas para aguardar a chegada da perícia da Polícia Civil.
Conduta de risco
“A primeira coisa é que, no Brasil, o álcool é uma substância culturalmente aceita. Não adianta passar a mensagem que beber e dirigir não pode, porque as pessoas não têm essa consciência. O comportamento de beber e pegar o carro é muito destrutivo, e as pessoas agem inconsequentemente. O álcool reduz a crítica, a capacidade de entender a realidade fica modificada e a pessoa fica mais inconsequente. E tudo que acontece é consciente, ela tem noção, mas o julgamento fica prejudicado. As pessoas fogem do local para não serem presas em flagrante. Após o crime, elas fogem para poderem se organizar e buscar um advogado. O racha é um delito grave e ter ingerido bebida alcoólica o torna muito pior. Foram três pessoas (no caso do acidente na L4 Sul que matou mãe filho), são três profissões bem esclarecidas e tiveram a coragem de fazer isso. Beber é uma coisa muito grave no Brasil. Muitas vezes, as pessoas não têm consciência do risco de beber e dirigir.”
Maria Célia Vitor, médica psiquiatra no Serviço de Estudos e Atenção a Usuários de Álcool e Outras Drogas (Sead) do Hospital Universitário de Brasília (HUB).
Perigo
Confira as 10 primeiras unidades da Federação (UF) com mais flagrantes de álcool ao volante nas rodovias federais:
UF 2017
Distrito Federal 644
São Paulo 267
Ceará 253
Mato Grosso do Sul 230
Minas Gerais 186
Alagoas 146
Santa Catarina 115
Paraná 85
Rio de Janeiro 84
Goiás 64
Fonte: Denatran