O subprocurador-geral do Distrito Federal, ex-secretário de Justiça e ex-diretor do Detran, Zélio Maia, esteve diretamente envolvido na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, um marco importante na redemocratização do Brasil, enquanto ainda estudava Direito e participava de movimentos estudantis.
Em conversa com o Jornal de Brasília, Zélio Maia relembra esse período histórico de reconstrução democrática, destaca os bastidores da criação da Constituição de 1988, que celebra 37 anos neste domingo (5/10), e enfatiza a ampla participação popular na criação dos direitos individuais e coletivos, além de refletir sobre os avanços desde então.
A Constituição, criada pela Assembleia Nacional Constituinte entre 1987 e 1988, assegurou direitos a diversos grupos, como mulheres, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e famílias homoafetivas, rompendo com o regime autoritário que durou 21 anos (1964-1985). Também restaurou liberdades fundamentais e o voto direto para a presidência da República.
Os princípios fundamentais da Constituição são a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, pluralismo político e a legitimidade do Estado Democrático de Direito.
Participação na Assembleia Nacional Constituinte
Zélio Maia relata que acompanhou o processo desde o início, em fevereiro de 1987, quando entrou na faculdade em 1985 e participou intensamente dos debates. Ele destaca a forte presença da sociedade civil no Congresso, com barracas montadas e noites dormidas dentro do prédio, descrevendo o ambiente como uma verdadeira festa democrática.
Diversos grupos estavam presentes, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores (Contag), a União Democrática Ruralista (UDR) e movimentos indígenas e feministas, mesmo com visões opostas, mantendo respeito mútuo. O debate resultou em uma Constituição que equilibrava o direito à propriedade privada com a função social.
Democracia madura em debate
Zélio Maia compara o passado com a situação atual, ressaltando que naquela época havia respeito e diálogo entre diferentes posições políticas, o que gerava avanços significativos, como os direitos garantidos no artigo 5º da Constituição.
Documentos históricos
Zélio Maia preserva documentos originais que mostram o trabalho detalhado da Comissão da Ordem Social na elaboração da Constituição, destacando a importância de manter essas marcas do tempo para lembrar a complexidade do processo.
Lembranças pessoais
Com apenas 20 anos na época, Zélio Maia não dimensionava a importância do momento, mas hoje reconhece sua influência em sua carreira, que inclui atuar como professor de Direito Constitucional e acompanhar mais de cem emendas à Constituição.
A Constituição é vista como uma obra plural e democrática, fruto do consenso, que permitiu ao Brasil avançar de um regime fechado para uma democracia plena sem rupturas violentas.
Contato com figuras históricas
Zélio Maia menciona que conviveu com personagens importantes como Ulisses Guimarães, Humberto Lucena e Ronaldo Caiado. Ele ressalta o respeito e a paciência que marcaram os debates, com destaque para o cuidado de esperar todos os deputados participarem das votações.
Uma curiosidade citada diz respeito ao artigo 3º da Constituição, que originalmente incluía “orientação sexual”, mas teve essa expressão substituída por “sexo” por pressão de grupos conservadores. Décadas depois, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o casamento homoafetivo, mostrando que a Constituição está em constante evolução.
Conversa com o presidente Sarney
Zélio Maia relata que encontrou com o então presidente José Sarney anos depois da Constituinte. Sarney destaca que convocar a Assembleia Nacional Constituinte foi um gesto para assegurar legitimidade democrática, reforçando que a Constituição é como uma convenção onde o povo decide as regras sociais.
Ganhos imediatos após a Constituição
- Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo saúde pública para todos;
- Direito do Consumidor, que gerou o Código de Defesa do Consumidor em 1990;
- Juizados Especiais, facilitando o acesso à Justiça;
- Obrigatoriedade do concurso público, promovendo igualdade e eliminando apadrinhamento.
Antes de 1988, o atendimento público à saúde não era universal e era necessário pagar o INAMPS. Hoje o SUS é um patrimônio do povo brasileiro, apesar dos desafios.
Lembrança curiosa
Zélio Maia conta uma história engraçada de um movimento estudantil em que seu colega tentou impedir uma votação importante jogando uma moedinha no deputado Humberto Lucena, causando tumulto e adiando a votação para o dia seguinte, mudando completamente o resultado. Pequenos gestos que influenciam a história.