Poemas do povo da noite
POEMA-PRÓLOGO
Fui assassinado.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.
Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.
Tornei-me mineral
memória da dor.
Para sobreviver,
recolhi das chagas do corpo
a lua vermelha de minha crença,
no meu sangue amanhecendo.
Em cinco séculos
reconstruí minha esperança.
A faca do verso feriu-me a boca
e com ela entreguei-me à tarefa de renascer.
Fui poeta
do povo da noite
como um grito de metal fundido.
Fui poeta
como uma arma
para sobreviver
e sobrevivi.
Companheira,
se alguém perguntar por mim:
sou o poeta que busca
converter a noite em semente,
o poeta que se alimenta
do teu amor de vigília
e silêncio
e bebeu no próprio sangue
o ódio dos opressores.
Porque sou o poeta
dos mortos assassinados,
dos eletrocutados, dos “suicidas”,
dos “enforcados” e “atropelados”,
dos que “tentaram fugir”,
dos enlouquecidos.
Sou o poeta
dos torturados,
dos “desaparecidos”,
dos atirados ao mar,
sou os olhos atentos
sobre o crime.
Companheira,
virão perguntar por mim.
Recorda o primeiro poema
que lhe deixei entre os dedos
e diz a eles
como que acende fogueiras
num país ainda em sombras:
meu ofício sobre a terra
É ressuscitar os mortos
e apontar a cara dos assassinos.
Porque a noite não anoitece sozinha.
Há mãos armadas de açoite
retalhando em pedaços
o fogo do sol
e o corpo dos lutadores.
Pedro Tierra
Secretário de Cultura, Hamilton Pereira
Poemas do povo da noite
1ª edição, Editorial Livramento
3ª edição, Editora Fundação Perseu Abramo e Publisher Brasil