Para professor, mesmo com longa história política, o clã do presidente não construiu uma
Por Ruan de Souza Gabriel
As três décadas dos Bolsonaros na política ainda não lhes permitiram construir uma vasta rede de contatos, como fizeram outras oligarquias. Por isso, eles colocam a família acima da política partidária, o que produz crise atrás de crise .
A avaliação é do sociólogo Ricardo Costa de Oliveira, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e organizador do livro “Família importa e explica” (Liber Ars), que descreve como dinastias políticas se apropriam das instituições em benefício próprio.
Ao GLOBO, ele explicou por que é tão difícil combatê-las.
O que é uma dinastia política?
Uma dinastia política é uma família engajada em atividades políticas. A política brasileira se organiza em torno dessas famílias, que acumulam poder político e econômico. Todas as instituições que deveriam ser o centro da vida democrática são menos importantes do que as famílias. Como nunca houve uma modernização plena no Brasil, uma ruptura ou uma revolução, as forças sociais arcaicas do antigo regime continuam mandando. Os novos atores que emergem se associam aos interesses desse passado arcaico e ajudam a reproduzir a velha ordem. Na Índia, uma sociedade de castas, a proporção de parlamentares pertencentes a famílias políticas é de 30%. No Brasil, esse número chega a 60%.
É natural que filhos médicos, advogados ou empresários sigam a profissão dos pais. Por que isso é um problema quando os antepassados são políticos?
A reprodução das famílias na política não é natural, é socialmente produzida por meio de privilégios e abuso de poder econômico. A reprodução familiar na política brasileira aponta formas de nepotismo estrutural, instituições políticas fracas e pré-modernas. Também não é natural que os filhos dos pobres continuem pobres e que as mulheres, os negros e os índios continuem excluídos, com baixíssima representação política. Há uma cadeia hereditária de proteções e recursos para que os ricos fiquem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
A família Bolsonaro já é uma dinastia política?
É uma dinastia recente, de 30 anos, mas é. Jair Bolsonaro organizou um complexo de nepotismo primeiro com a ex-mulher, depois com os filhos, e também cunhados e irmãos. Essa relação entre parentesco e poder político viabiliza uma máquina mais forte e mais importante do que os partidos. Bolsonaro não chegaria aonde chegou se não tivesse construído sua linhagem política com filhos, as ex-mulheres e outros parentes. Até Carlos Bolsonaro, que é vereador no Rio, colocou um primo em Brasília, Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, para circular nos ministérios desde a posse.
Os Bolsonaros vêm do baixo clero da política. Isso influencia como eles gerenciam sua dinastia?
Por serem uma família emergente, os Bolsonaros operam com mais agressividade, uma vez que eles não têm uma rede de contatos antiga e estabelecida. Eles atropelam qualquer um. É só observar os filhos do presidente. Ninguém sabe quem manda mais, se o pai ou os filhos. Para eles, os vínculos familiares são mais importantes do que os vínculos partidários. É por isso que eles mudaram tanto de partido e podem mudar de novo. E é por isso que Gustavo Bebianno (ex-secretário-geral da Presidência), um nome importantíssimo, foi rifado depois de bater de frente com Carlos Bolsonaro. O que importa para eles é a família. Isso gera crises permanentes, porque a família atravessa qualquer protocolo, qualquer decoro. Não há mais Presidência da República, mas uma família que troca informações e atravessa o interesse público. O partido político, o ministério, as relações público-privadas, tudo isso é secundário se comparado à família.
Como lidar com as dinastias políticas?
Em primeiro lugar, precisamos de leis efetivas e rigorosas. Em segundo lugar, precisamos modernizar a cultura partidária. Muitas legendas são siglas de aluguel lucrativas que permitem movimentações espúrias e são controladas por famílias. Se tivéssemos poucos partidos, que fossem sérios, ideológicos e programáticos, diminuiria a deslealdade partidária. E, por último, precisamos daquilo que é básico em qualquer sociedade: uma cultura política que conscientize a população contra o clientelismo e o nepotismo.
(Transcrito do jornal O Globo – 3/3/2019)
Fonte Veja