Mentir não é apenas um comportamento malvisto socialmente: demanda um esforço mental maior do que falar a verdade e pode, com o tempo, prejudicar a saúde emocional e alterar a forma como o cérebro reage às próprias ações. Repetir mentiras torna as emoções menos sensíveis, eleva o risco de sofrimento mental e provoca respostas físicas típicas do estresse, como batimentos cardíacos acelerados e suor excessivo.
De acordo com a neurologista Natalia Nasser Ximenes, do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e integrante da Academia Americana de Neurologia, mentir envolve regiões cerebrais importantes, como os lobos frontais, os núcleos da base e a amígdala, que estão associadas ao comportamento social e às emoções.
“Mentir é mais trabalhoso para o cérebro do que dizer a verdade. É necessário criar uma nova narrativa, lembrar dessa história falsa e ainda guardar a verdade original. Isso sobrecarrega o cérebro”, esclarece a especialista. Ela ressalta que, com o tempo, essas áreas podem ficar menos sensíveis, fazendo com que mentir se torne um ato cada vez mais automático.
Do ponto de vista psiquiátrico, o desgaste emocional também é significativo. Conforme explica o psiquiatra André Botelho, do Hospital Sírio-Libanês, mentiras frequentes podem suprimir a culpa, sentimento essencial para manter limites éticos e a identidade pessoal. “O cérebro se acostuma e a emoção que antes causava desconforto acaba sendo silenciada. Isso pode afastar a pessoa de sua bússola interna”, destaca.
Como a mentira afeta o cérebro?
- Mentir exige criação e memorização de versões falsas da realidade, sobrecarregando o cérebro.
- Com o tempo, o cérebro se torna menos sensível e a culpa diminui, facilitando o hábito de mentir.
- Mentiras frequentes podem causar sintomas físicos e emocionais, como ansiedade, insônia e taquicardia.
- Em situações graves, a mentira compulsiva pode estar associada a transtornos psiquiátricos e requer acompanhamento médico.
Além da sobrecarga mental e emocional, o corpo também reage. Como mentir ativa áreas cerebrais ligadas ao medo de ser descoberto, sintomas físicos imediatos como tremores, aceleração dos batimentos cardíacos e sudorese podem ocorrer.
“O estresse causado pela manutenção da mentira pode resultar em insônia e ansiedade, afetando o bem-estar geral”, afirma a neurologista.
Em casos mais sérios, o hábito de mentir pode estar ligado a condições psiquiátricas, como a pseudologia fantástica, em que a pessoa mente impulsivamente, sem motivo aparente. Nesses casos, segundo Botelho, a mentira deixa de ser escolha e se torna uma maneira distorcida de lidar com a realidade, podendo indicar transtornos de personalidade ou danos em partes do cérebro relacionadas a julgamento moral.
A boa notícia é que é possível quebrar esse ciclo. Práticas como mindfulness (um tipo de meditação), psicoterapia e autocompaixão orientada ajudam a reconhecer a culpa sem se afundar nela, facilitando a reconexão com a verdade e reduzindo o impacto emocional da mentira.
“Mentira e culpa caminham juntas. Lidar com a culpa é, antes de tudo, um movimento rumo à verdade — não só dos fatos, mas de si mesmo”, ressalta o psiquiatra.