A volta das políticas de envolvimento da sociedade no governo de Lula é o foco de um guia recém-lançado pela Associação Brasileira de ONGs (Abong) em parceria com a Fundação Friedrich Ebert (FES). O documento, intitulado O Papel da Sociedade Civil na Política Participativa do Governo Lula III, examina como a participação social está sendo recuperada no terceiro mandato de Lula, depois dos cortes feitos nos governos anteriores de Michel Temer e, principalmente, de Jair Bolsonaro, além de apontar os desafios para fortalecer os espaços democráticos.
A pesquisa coletou opiniões de representantes da sociedade civil que atuam em conselhos e conferências nacionais, que refletem a diversidade do campo democrático e de promoção de direitos, além de gestores federais envolvidos com a política de participação social.
Este guia realça a importância da participação da sociedade nos processos decisórios e na elaboração de políticas públicas e estratégias, ressaltando que essa participação é um componente essencial da democracia no Brasil. Entre os instrumentos destacados estão conselhos de política pública, conferências, audiências públicas, grupos de trabalho, consultas públicas, ouvidorias, mesas de negociação e reuniões.
Como destacado no texto, a participação não é um objetivo final, mas uma ferramenta para construir uma democracia real, que represente os interesses da população e promova a tolerância e o reconhecimento mútuo.
Segundo o documento, há um entendimento geral entre diversas organizações da sociedade civil de que a retomada da participação social é parte central do projeto do governo Lula.
O guia também observa que durante o governo Bolsonaro esses espaços foram muito atacados, com o fechamento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e o esvaziamento de outros, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que teve sua representação reduzida drasticamente.
Entretanto, alguns conselhos resistiram e se tornaram verdadeiros pontos de resistência, como o Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS), o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CDH) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS), que mantiveram suas funções apesar dos ataques.
Desafios
Embora tenha havido avanços na retomada da participação popular, o guia destaca os impactos dos ataques de grupos extremos às instituições democráticas e a polarização social crescente, alimentada por discursos de ódio associados a movimentos autoritários.
Há desafios apontados relacionados à instrumentalização da participação social e à falta de entendimento do papel das organizações da sociedade civil. O documento enfatiza que o governo ainda desconhece ou desvaloriza essas organizações críticas que atuam em defesa dos direitos, da justiça e do meio ambiente.
Além disso, gestores públicos frequentemente resistem a críticas, vendo organizações críticas como adversárias políticas, enquanto algumas entidades da sociedade civil têm receio de fazer críticas contundentes para não desestabilizar o novo governo depois de um período de extrema direita.
O texto ressalta a necessidade de melhorar a formação e capacitação dos representantes da sociedade civil para que eles compreendam melhor os processos burocráticos do Estado, incluindo planejamento e gestão orçamentária.
Uma estrutura eficiente de participação depende tanto de organizações da sociedade civil fortalecidas quanto de profissionais qualificados para atuar técnica e politicamente em conselhos e conferências.
Também é fundamental implementar mecanismos de participação nos espaços decisórios da política econômica, já que as decisões econômicas continuam concentradas em poucos, representando uma barreira para a ampliação da participação social e limitando o alcance das políticas sociais.
Por fim, uma agenda para uma democracia mais radical requer aumentar a conscientização das pessoas sobre as estruturas sociais e políticas que geram e mantêm desigualdades. A mobilização popular nas bases da sociedade é essencial para promover mudanças reais em favor da justiça social e da preservação do meio ambiente. Sem essa participação ativa, os espaços de participação tendem a se burocratizar e a se distanciar dos anseios legítimos da população.