IDiana Tomazelli
Brasília, DF (FolhaPress)
Um dos maiores desafios para a reorganização dos Correios é o gasto com os funcionários, que representa quase dois terços dos custos atuais da empresa, estimado em R$ 15,1 bilhões para este ano. Esse valor está aumentado por conta de benefícios maiores que os exigidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Os benefícios incluem uma gratificação de férias maior e pagamento triplo por horas trabalhadas aos finais de semana e feriados, conforme acordo coletivo de trabalho fechado no ano passado entre a empresa e as federações que representam os trabalhadores. Algumas cláusulas foram incluídas recentemente, quando a empresa já enfrentava problemas financeiros graves.
Especialistas dizem que esses benefícios extras não são ilegais, mas podem colocar os Correios em desvantagem frente a concorrentes privados.
Os funcionários dos Correios são regidos pela CLT, diferente dos servidores públicos diretos, como os dos ministérios.
Em 2023, a despesa com pessoal foi de R$ 14,5 bilhões, cerca de 62,8% dos custos totais da empresa (que incluem gastos operacionais, sem investimentos). Para 2025, prevê-se que essa porcentagem suba para 65,8%, totalizando R$ 15,1 bilhões, com R$ 9,45 bilhões já gastos até junho. As receitas da empresa diminuíram para R$ 21,5 bilhões no ano passado, uma queda real de 6,6% em relação a 2023.
Outras empresas públicas federais gastam mais com pessoal, mas cada uma tem seus próprios acordos coletivos e atua em setores diferentes. Por exemplo, as funções de um carteiro são distintas das de um engenheiro da Petrobras, refletindo nos salários.
A direção dos Correios pretende renegociar algumas cláusulas, mas pode enfrentar resistência dos sindicatos. O plano de reestruturação prevê a saída de 10 mil funcionários em 2025 e outros 5 mil em 2027 por meio de um programa de demissão voluntária, que pode economizar R$ 1,4 bilhão por ano.
No acordo de 2024/2025, os empregados recebem gratificação de 70% nas férias, enquanto a Constituição garante pelo menos 33%. A hora extra em domingos e feriados é paga em triplo (200% do valor da hora ou dois dias de folga), diferente do usual, que é o dobro ou uma folga. Além disso, há marcação de ponto por exceção, permitindo ganho de hora extra sem necessidade de compensar se o trabalhador sair mais cedo.
Outros benefícios incluem o vale-refeição de R$ 50,93 por dia pago mesmo nas férias ou afastamentos, auxílio de R$ 1.030,58 para dependentes com deficiência, e a possibilidade de licença médica de até 90 dias enquanto o empregado recorre de decisão do INSS que o considera apto para o trabalho.
No último ciclo de negociação, após a empresa já enfrentar prejuízo bilionário, foi aceita licença remunerada de até dois dias por mês para mulheres com sintomas menstruais graves. Esse benefício está em projeto de lei aprovado na Câmara e aguardando aprovação no Senado.
O descanso para amamentação aumentou de duas para três horas diárias. Foi dado também um aumento salarial de 4,11% aos funcionários.
Os trabalhadores são incentivados a participar de entidades habitacionais para acessar programas de moradia. Seus dirigentes têm liberação remunerada para cuidar dessas atividades, com o número de representantes liberados aumentando de um para dois por entidade.
A empresa respondeu a dúvidas da imprensa afirmando que negociações do novo acordo estão em andamento e que valoriza uma relação de trabalho justa e respeitosa com seus empregados. O último acordo foi aprovado pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, ligada ao Ministério da Gestão e Inovação (MGI).
Apesar da dificuldade para liberar um socorro financeiro de R$ 20 bilhões, o MGI autorizou reajustes, benefícios ampliados e novo concurso público em momento delicado para a companhia.
Especialistas afirmam que o órgão deveria ter controlado melhor as despesas para evitar agravamento da situação, possivelmente bloqueando o acordo ou o concurso.
O MGI disse que não interfere diretamente na gestão, apenas orienta, e que as decisões sobre negociações são responsabilidade dos administradores dos Correios, que devem considerar o teto de gastos e as condições específicas da empresa.
Em 2023, o MGI manifestou-se contra a hora tripla, mas ela foi mantida.
José Pastore, professor da FEA-USP e especialista em mercado de trabalho, ressalta que a lei permite benefícios acima do mínimo, desde que negociados, mas isso aumenta os custos financeiros.
“A reforma trabalhista permite que o que é negociado prevaleça sobre o que está na lei. Cada empresa sabe seu orçamento”, declarou.
Emerson Marinho, secretário-geral da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos), explica que benefícios como o vale-refeição nas férias protegem a renda da categoria, que tem salário médio de R$ 6.337 em 2024, com 83,8 mil funcionários.
Ele atribui a crise dos Correios à queda nas receitas, não aos altos custos com pessoal. A categoria não aceitará abrir mão da reposição da inflação, que pode custar R$ 500 milhões por ano, segundo a federação.
O advogado especializado em infraestrutura, Fernando Vernalha, considera os benefícios uma evidência da ineficiência estrutural da empresa, que perde competitividade por pagar mais que o mercado.
Para ele, o plano de reestruturação pode ajudar, mas não resolverá todos os problemas para tornar os Correios competitivos.
Principais benefícios do acordo coletivo dos Correios
- Gratificação de 70% sobre as férias;
- Licença remunerada de até dois dias por mês para mulheres com sintomas menstruais graves;
- Marcação de ponto por exceção, permitindo hora extra sem compensar saída antecipada;
- Hora extra tripla nos descansos semanais e feriados, com pagamento ou folga;
- Vale-refeição de R$ 50,93 por dia, pago também em férias e afastamentos;
- Auxílio de R$ 1.030,58 para dependentes com deficiência, com possível reembolso maior após avaliação médica;
- Reembolso para creche ou babá de até R$ 714,72 ao mês, mesmo na licença-maternidade;
- Licença médica de até 90 dias durante recurso contra decisão do INSS;
- Liberação de cinco dias remunerados para empregados eleitos em conselhos da empresa;
- Liberação remunerada para dirigentes que trabalham em projetos de habitação para funcionários.

